Lei que proibe palmadas na Suécia criou geração de crianças rebeldes, mimadas e cheias de vontade própria
Após proibir palmadas, Suécia sofre com geração de crianças mimadas
A proibição das punições físicas a crianças foi incorporada ao código penal da Suécia em 1979
A Suécia, primeira nação do mundo a proibir as palmadas na educação
das crianças, se pergunta agora se não foi longe demais e criou uma geração de
pequenos tiranos.
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Marie Märestad (dir.) e seu marido concedem entrevista à agência AFP em outubro |
O livro "Como as crianças chegaram ao poder", escrito por Eberhard,
explica porque a proibição das punições físicas - incorporada de forma pioneira
ao código penal da Suécia em 1979 - levou, pouco a pouco, a uma interdição de
qualquer forma de correção das crianças.
"É óbvio que é preciso escutar as crianças, mas na Suécia isso já foi
longe demais. São elas que decidem tudo nas famílias: quando ir para a cama, o
que comer, para onde ir nas férias, até qual canal de televisão assistir",
avalia ele, considerando que as crianças suecas são mal preparadas para a vida
adulta.
"Nós vemos muitos jovens que estão decepcionados com a vida: suas
expectativas são muito altas e a vida se mostra mais difícil do que o esperado
por eles. Isso se manifesta em distúrbios de ansiedade e gestos de
autodestruição, que aumentaram de maneira espetacular na Suécia", diz o
psiquiatra.
Suas teses são contestadas por outros especialistas, como o terapeuta
familiar Martin Forster, que sustenta que, numa escala mundial, as crianças
suecas estão entre as mais felizes. "A Suécia se inspirou sobretudo na ideia de
que as crianças deveriam ser ouvidas e colocadas no centro das preocupações",
afirma Forster. Segundo ele, "o fato de as crianças decidirem muitas coisas é
uma questão de valores. Pontos de vista diferentes sobre a educação e a infância
geram culturas diferentes".
O debate sobre o mau comportamento das crianças surge regularmente
nas discussões sobre a escola, onde os problemas de socialização ficam mais
evidente.
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O comportamento das filhas levou o casal Märestad a procurar aconselhamento |
Quase 800 internautas comentaram a crônica de Olofsson. Entre os
leitores, um professor de escola primária relatou sua rotina ao passar tarefas a
alunos de 4 e 5 anos: "Você acha que eu quero fazer isso?", disse um dos alunos.
"Outro dia uma criança de quatro anos cuspiu na minha cara quando eu pedi para
que ela parasse de subir nas prateleiras".
Após um estudo de 2010 sobre o bem estar das crianças, o governo
sueco ofereceu aos pais em dificuldade um curso de educação chamado "Todas as
crianças no centro". Sua filosofia: "laços sólidos entre pais e filhos são a
base de uma educação harmoniosa de indivíduos confiantes e independentes na
idade adulta".
Um de seus principais ensinamentos é que a punição não garante um bom
comportamento a longo prazo, e que estabelecer limites que não devem ser
ultrapassados, sob pena de punição, nem sempre é uma panaceia.
"Os pais são instruídos a adotar o ponto de vista da criança. Se nós
queremos que ela coopere, a melhor forma de se obter isso é ter uma relação
estreita", afirma a psicóloga Kajsa Lönn-Rhodin, uma das criadoras do curso
governamental. "Eu acredito que é muito mais grave quando as crianças são
mal-tratadas (...), quando elas recebem uma educação brutal",
avalia.
Marie Märestad e o marido, pais de duas meninas, fizeram o curso em
2012, num momento em que eles não conseguiam mais controlar as crianças à mesa.
"Nós descobrimos que provocávamos nelas muitas incertezas, que elas brigavam
muito (...) Nós tínhamos muitas brigas pela manhã, na hora de colocar a roupa
para sair", relembra essa mãe de 39 anos. "Nossa filha caçula fazia um escândalo
e nada dava certo (...) Nós passamos por momentos muito difíceis, até decidirmos
que seria bom se ouvíssemos especialistas, conselheiros", conta Märestad, que é
personal trainer em Estocolmo.
O curso a ajudou a "não lutar em todas as frentes de batalha" e a
dialogar melhor. Mas para ela, as crianças dominam a maior parte dos lares
suecos. "Nós observamos muito isso nas famílias de nossos amigos, onde são as
crianças que comandam".
Segundo Hugo Lagercrantz, professor de pediatria na universidade
Karolinska, de Estocolmo, a forte adesão dos suecos aos valores de democracia e
igualdade levou muitos a almejarem uma relação de igual para igual com seus
filhos. "Os pais tentam ser muito democráticos (...) Eles deveriam se comportar
como pais e tomar decisões, e não tentarem ser simpáticos o tempo todo", diz
Lagercrantz.
Ele vê, contudo, algumas vantagens nesse estilo de educação. "As
crianças suecas são muito francas e sabem expressar seu ponto de vista", afirma.
"A Suécia não valoriza a hierarquia e, de uma certa forma, isso é bom. Sem
dúvida, esta é uma das razões pelas quais o país está relativamente bem do ponto
de vista econômico".
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